domingo, 25 de novembro de 2012

O QUE JOAQUIM BARBOSA E USAIN BOLT TÊM EM COMUM (por Rosivaldo Toscano)




Um semanário de direita publicou, há poucas semanas, uma reportagem sobre o Ministro Joaquim Barbosa. “O menino pobre que mudou o Brasil”. A matéria é rasa e reducionista. E Joaquim Barbosa sabe que não mudou o Brasil. Ele não engoliu a isca. Leia aqui o que ele acha dessa mídia hegemônica que usa muito a estratégia da criação de rótulos, para fácil (e raso) entendimento. Sugiro, inclusive, uma reportagem bem menor e melhor que a do semanário de direita, numa rápida entrevista concedida à Folha, (aqui) em que ele revela que votou em Lula e em Dilma, que a imprensa trata escândalos com dois pesos e duas medidas e que o racismo está aí, escancarado.
Ele hoje está sendo paparicado porque, de algum modo, agrada aos interesses de grupos políticos e econômicos que querem o poder e que dominam a mídia hegemônica, haja vista que sua postura como relator do julgamento do Mensalão mais se assemelhou a de um acusador do que a de um julgador. E como ele não mudará essa postura na Presidência do STF porque já demonstrou coerência, em breve será tachado de adjetivos nada elogiosos por essa mesma imprensa.
Joaquim Barbosa não é exemplo. O discurso do self-made man usado em relação a ele esconde o racismo reinante. É um discurso racista porque chega a um reducionismo: ou o indivíduo é esforçado e “chega lá” (como ele chegou) ou, de alguma maneira, falhou. Então, se há poucos negros ou pessoas de origem pobre em universidades, em altos postos de comando, é porque não se esforçaram bastante.
Assim, esse discurso bem ao gosto da elite “naturaliza” a desigualdade e ajuda a mantê-la. Infelizmente, não são poucos os que mordem a isca e reproduzem essa violência simbólica. Essa violência invisível, mas extremamente danosa, que causa muito sofrimento a milhões de brasileiros, naturalizada que está nas relações desiguais de poder em nossa sociedade. É preciso fazer a denúncia. 
Só para nos situarmos, mais de 90% das escolas públicas tiveram notas abaixo da média (aqui) no ENEM. E não atribuamos isso a um fracasso individual de cada estudante, de que não quiseram ser um “Joaquim Barbosa” por escolha ou inferioridade atávica. Atribuamos à falta de condições mínimas para se ensinar e se aprender com um mínimo qualidade na rede pública. Isso é reflexo de um país que tem o 16º pior índice de desigualdade social do mundo - GINI (aqui).
Fazendo uma metáfora, é como se numa corrida de 100 metros rasos, os corredores das camadas oprimidas (das quais os negros são maioria) partissem do ponto zero e a pequena parcela dos que tiveram melhores condições técnicas (melhores escolas) e econômicas (facilidade de transporte até a escola, material escolar de qualidade, professores particulares, cursinhos de inglês e de matérias isoladas, alimentação adequada, tranquilidade para estudar sem necessitar do trabalho infantil, bons médicos, uma moradia descente, lazer adequado, acesso à informação e à cultura) já saem da linha dos 40 metros. 
O “truque” desse discurso reside em desconsiderar o ponto de partida e se fixar na linha de chegada. Depois, é fácil conferir o resultado e naturalizá-lo. É uma falácia de falsa causa, em que a conclusão está em uma das premissas. “Se ‘chegou lá’ é porque se esforçou, porque quem se esforça ‘chega lá’. Mas, um momento: são dadas a todas as pessoas condições semelhantes de competir para chega lá”?. Por isso esse discurso naturalizante é violento, pois serve de desculpa para não se cumprir o objetivo constitucional de reduzir as desigualdades sociais. Ao contrário, serve de munição para se atacar ações afirmativas.
Essa “corrida”, ao contrário do que mascara o discurso doself-made man, é um processo de muitos anos – acima de tudo, um processo histórico cujos resultados em massa estão nas gritantes estatísticas da desigualdade social. Esse discurso é alienante. Joaquim Barbosa não representa o brasileiro e ele sabe disso. Ele denuncia isso. Ele não pode ser exemplo porque é exceção. 
Joaquim Barbosa foi o primeiro negro Presidente do STF. Espero que não seja o último. Para tanto, é muito importante desvelar a  reprodução de desigualdades embutida no discurso alienante do self-made man. Joaquim Barbosa é um caso raro de uma inteligência fora do comum. É o Usain Bolt dessa corrida extremamente desigual!

* Rosivaldo Toscano Jr. é juiz de direito no RN e membro da Associação Juízes para a Democracia - AJD.

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