quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Modelo de sentença. Equipe médica no sistema carcerário (Juiz André Melo - Caicó/RN)

Sentença
Ementa: Ação Civil Pública. Constitucional e Administrativo. Assistência à saúde a ser fornecido pelo Estado aos presos da Penitenciária Estadual do Seridó. Direito Fundamental à saúde de índole constitucional, legal e democrática. O Direito Subjetivo Público à saúde é corolário do princípio fundamental da República de respeito à dignidade da pessoa humana è vida. Caráter de fundamentalidade cogente. Inaplicabilidade da tese, no caso concreto, da reserva do possível. Procedência do pedido.

I – RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Ação Civil Pública cujo objeto é Obrigação de Fazer com Pedido de Liminar entre as partes em epígrafe, tendo por objeto a condenação da parte ré para que ofereça a assistência à saúde dos detentos e internos da Penitenciária Estadual do Seridó, bem como providencie o internamento adequado dos internos acometidos de transtorno mental e submetidos à medida de segurança em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico.
Alegou a parte autora na exordial que:
A) instaurou procedimento administrativo nº 07/03 para apurar a garantia do direito à saúde aos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó, constatando através deste o descaso e negligência do Poder Público Estadual com a saúde médica, odontológica e farmacêutica dos detentos da referida unidade prisional, bem como o internamento inadequado dos internos acometidos de doença mental e submetidos à medida de segurança;
B) o ser humano, incluindo os apenados, têm um direito público subjetivo e fundamental à saúde, amparado pela Constituição Federal e Legislação Infra Constitucional;
C) o direito e a jurisprudência amparam a sua pretensão.
D) pugnou pela concessão de antecipação dos efeitos da tutela específica, demonstrando o atendimento de seus requisitos.
E) no mérito, pleiteou a confirmação da tutela pretendida. Ao ensejo, juntou documentos (fls. 20/44).
Citado, o Estado do Rio Grande do Norte não apresentou contestação dentro do prazo legal, consoante se infere da certidão de fls. 96.
Por meio do requerimento de fls. 102/108, o representante do Parquet pugnou pela concessão da tutela específica e pela procedência dos pedidos constantes na exordial, bem como pela implementação na unidade prisional ora referida de uma equipe médica de acordo com a Portaria Interministerial nº 1777/2003. Ao requerimento, juntou documentos de fls. 105/149, contendo, inclusive, relatório técnico da SUVISA realizado na Penitenciária Estadual do Seridó.
Às fls. 151/152, a parte ré, por meio de seu procurador, requereu o aprazamento de audiência para a tentativa de conciliação, bem como pugnou pela improcedência do feito.
Às fls. 167, consta o termo de audiência preliminar, na qual restou impossibilitada a tentativa de conciliação, tendo sido juntado um plano estadual de atenção integral à saúde da população prisional do Rio Grande do Norte.
É o breve relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - Mérito
Inicialmente, cumpre a este magistrado conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, uma vez caracterizada a desnecessidade de se produzir outras provas, a teor do Art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, já tendo nos autos elementos definitivos para a formação de seu convencimento. Assim, passo ao julgamento antecipado da lide.
Cinge-se a questão de mérito, neste processo, à regularização da assistência adequada à saúde dos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó, bem como ao internação adequada dos internos da referida unidade prisional, acometidos de transtorno mental e submetidos à medida de segurança, em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico.
De início cabe questionar se a saúde pode ser tida como direito público subjetivo titularizado pelos cidadãos em face do Estado?
A relevância do direito fundamental social à saúde é incontestável.
A efetivação dos direitos fundamentais sociais é um dos temas mais difíceis do direito constitucional. Norberto Bobbio, depois de afirmar em sua obra A era dos direitos que os debates sobre os direitos e sua expansão mundial seriam um aspecto positivo dos dias atuais, indaga, mais à frente, na mesma obra, se seria realmente direito um direito cuja efetivação é adiada sine die. Diferentemente dos direitos de defesa que são direcionados contra o Estado, exigindo-se dele uma atitude negativa, os direitos sociais são exercidos através do Estado, exigindo-se dele prestações materiais positivas.
Parcela considerável da doutrina estrangeira considera que a efetivação desses direitos estão sujeitos às eleições de índole legislativa e administrativa a serem exercidas pelo Legislativo e Executivo, o que impediria a exigibilidade judicial desses direitos, ou seja, o que retiraria deles o caráter de direito público subjetivo.
Ocorre, no entanto, que, além de os direitos sociais apresentarem eficácia jurídica diferenciada entre si, muitos deles já foram regulamentados pelo legislador, gerando indubitavelmente direito subjetivo exigível judicialmente na hipótese de violação. Como exemplo desta última categoria, é possível a referência aos benefícios previdenciários e assistenciais, ao serviços públicos de saúde e à educação fundamental, todos direitos sociais já regulamentados, por exemplo, no Brasil. Ademais, uma norma infraconstitucional que viole um direito fundamental social é passível de controle de constitucionalidade, posição adotada até mesmo pela doutrina que nega eficácia jurídica aos direitos sociais.
A própria existência de um direito ao mínimo existencial, a um direito fundamental a um mínimo vital tem sido reconhecido pelo Tribunal Federal Constitucional Alemão, país cuja Constituição não consagrou em catálogo os direitos sociais.
No Brasil, mesmo Ricardo Lobo Torres, que possui uma postura contrária à configuração dos direitos sociais como direitos subjetivos exigíveis judicialmente, reconhece a existência de um direito a um mínimo existencial que exige prestações estatais positivas e sem o qual desaparecem as condições iniciais da liberdade. Em verdade, negar qualquer possibilidade de garantia judicial dos direitos sociais significará em diversas oportunidades negar eficácia aos direitos de 1ª dimensão dificilmente exercitáveis sem um mínimo de direitos sociais garantido.
Esses novos direitos inerentes ao Estado de Bem-Estar, como a dignidade da pessoa humana, exigem permanente empenho, pois se, apesar da crise do Welfare State, consideramos irrenunciáveis essas conquistas do Welfare State que se resumem na fórmula dos new rights (o direito à moradia, o direito à saúde, o direito ao trabalho, o direito do consumidor, o direito ao meio ambiente, etc.), o problema de tornar efetivos esses direitos através de sua tutela não pode ser evitado (Tradução nossa)
Atente-se que a discussão dos autos gira em torno de se assegurar a cidadania em nosso Estado que tem deficiente rede pública de assistência de saúde e que um processo justo, e porque justo efetivo, em face dos Entes Públicos, deve merecer especial atenção em uma sociedade que tem a esperança de ver garantida a dignidade da pessoa humana.
Discutir, portanto, a cidadania e os instrumentos de proteção do cidadão nas lides com o próprio Estado significa legitimar de forma justa a própria existência do Estado Democrático de Direito como ente que deve possibilitar a vida digna nas sociedades humanas.
Pode-se concluir, portanto, que a saúde é direito fundamental e se apresenta, em nosso sistema jurídico-político, como direito público subjetivo público exercitável judicialmente em face do Poder Público.
No que diz respeito ao aspecto fático do direito alegado, é de se observar que o Estado reconhece a existência do problema, conforme se infere do própria resposta do Procurador do Estado de fls. 151/152 e da minuta do plano operativo estadual de atenção à saúde da população de prisional de fls. 168/211, apresentado quando da realização da audiência preliminar. Sem dúvida o problema existe, é fato notório neste Município de Caicó, tendo sido, inclusive, verificada por este próprio magistrado, em visita realizada no local, quando, em maio de 2010, estava em substituição legal na Vara Criminal desta Comarca, a existência de 02 (duas) pessoas com hepatite C sem nenhum atendimento médico-hospitalar, tendo magistrado ordenado a imediata internação dos mesmos. Além disso, o relatório da SUVISA de fls.110/131 feito na unidade prisional em comento, constatou a precária atenção à saúde. Portanto, torna-se lícito perguntar: por que o Estado até o presente momento não providenciou a contratação de pessoal capacitado para realizar, de forma satisfatória, o atendimento dos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó? Por que lançou edital para contratar profissionais para os presídios de Alcaçuz e Parnamirim, em 2008, tendo deixado de fora o presídio de Caicó? Qual a razão do não atendimento a um direito público subjetivo fundamental e inerente à condição humana de qualquer cidadão? Nenhum desses questionamentos óbvios foi respondido de maneira convincente pelo ente público na sua manifestação.
A própria Carta Magna, em seu art. 196, diz que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Aliás, não há justificativa para a negligência e descaso do Poder Público nesta situação, ante a previsão na própria Lei nº 7.210 (Execução Penal), em seu art. 11 c/c art. 14, ser dever do Estado a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreendendo os atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
Importante ressaltar que não justificam as omissões do Poder Público na implementação de Políticas Públicas da Saúde, a alegação da cláusula da reserva do possível. Nesse sentido, colaciono trechos do Informativo 582, no qual o Min. Celso de Mello manifesta-se acerca desta matéria:
Direito à Saúde - Reserva do Possível - "Escolhas Trágicas" - Omissões Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições) (v. Informativo 579) STA 175-AgR/CE* RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE V O T O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário. O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis. Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004): "ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA 'RESERVA DO POSSÍVEL'. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO 'MÍNIMO EXISTENCIAL'. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)." [...] Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial. (v. Informativo 579 – Transcrições - Direito à Saúde - Reserva do Possível - "Escolhas Trágicas" - Omissões Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições) - STA 175-AgR/CE*) (grifo nosso)
Igualmente, registro que a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal não pode servir como subterfúgio para o descumprimento de políticas públicas que se correlacionam com a dignidade da pessoa humana, pois "entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República, ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, impõe ao julgador uma só opção: o respeito indeclinável à vida." (Precedente do STF: PETMC 1246/SC, relator Ministro Celso de Mello). Além disso, o réu estará cumprindo uma decisão judicial, não havendo, no caso, violação ao referido diploma.
Diante disso, tendo em vista a supremacia do direito à vida e à saúde do cidadão, inclusive dos presos, não vejo como eximir de responsabilidade o demandado, devendo este providenciar a assistência à saúde adequada dos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó, bem como o internamento adequado dos internos acometidos de doença mental e submetidos à medida de segurança em unidade prisional de tratamento psiquiátrico.
Ademais, deve-se frisar que em 09 de setembro de 2003 foi editada a Portaria Interministerial nº 1777, que instituiu o Plano Nacional de Saúde no sistema Penitenciário, prevendo a inclusão da população penitenciária no SUS, garantindo-lhe o acesso a ações e serviços de saúde. Previu a citada portaria que, nos presídios com mais de 100 presos, as ações e os serviços de atenção básica em saúde deveriam ser organizadas nas unidades prisionais e realizadas por equipes interdisciplinares de saúde, obedecendo a uma jornada de trabalho de 20 horas semanais, composta por: médico, enfermeiro, odontólogo, psicólogo, assistente social, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário. É importante ressaltar que, hodiernamente, a população carcerária da Penitenciária Estadual do Seridó é de, aproximadamente, 430 (quatrocentos e trinta) presos, entre presos provisórios e sentenciados, homens e mulheres, bem como os que cumprem pena em regime aberto e semi aberto.
Noutro passo, cumpre ao julgador manifestar-se acerca do pedido de antecipação de tutela específica.
São requisitos exigidos para a concessão liminar da tutela pretendida, conforme se depreende do art. 461, § 3º, do CPC, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento jurisdicional final, em síntese, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
A relevância do fundamento jurídico é ponto inquestionável, posto que a saúde é um direito público subjetivo de todos os cidadãos e um direito fundamental do ser humano, assegurado constitucional e infraconstitucionalmente.
Quanto ao requisito do periculum in mora, este também se mostra indiscutível, ante a peculiaridade do direito discutido, sendo oportuno destacar que a permanência da situação abusiva e desumana verificada na unidade prisional, pela qual passam os detentos ali recolhidos, manterá o comprometimento da saúde de todos os internos que nela se encontram, e no tocante àqueles que cumprem medidas de segurança, caso não seja realizado a sua internação em local adequado, qual seja, Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico, sob pena do agravamento dos seus estados de saúde.
Ademais, quanto à possibilidade de concessão de liminar em sede de Ação Civil Pública, resta perfeitamente viável, ante a ilação do art. 12 da Lei nº 7.347/85.
Posto isso, defiro o pedido de antecipação de tutela específica para condenar o Estado do Rio Grande do Norte na obrigação de fazer, consubstanciada na oferta da assistência à saúde (médica, odontológica e farmacêutica) aos detentos e internos da Penitenciária Estadual do Seridó, devendo implementar, no referido estabelecimento prisional, uma equipe médica composta por 01 (um) médico clínico-geral, 01 (um) enfermeiro, 01 (um) odontólogo, 01 (um) psicólogo, 01 (um) assistente social, 01 (um) auxiliar de enfermagem e 01 (um) auxiliar de consultório dentário, para atendimento diário e ininterrupto dos presos, devendo contar com as condições necessárias para realizar o trabalho, tudo conforme a Portaria Interministerial nº 1777/2003. Ademais, deve a parte ré garantir o internamento adequado aos detentos acometidos por transtorno mental e submetidos à medida de segurança em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico, devendo cumprir as medidas no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 3.000,00 (mil reais), incidindo a partir do dia posterior ao descumprimento da medida, com fulcro no art. 461, § 4º, do CPC.
Ademais, é imprescindível dotar de efetividade a tutela antecipada concedida, através de medidas necessárias e eficazes, que possam significar a efetivação da obrigação de fazer pleiteada.
Considerando-se que a execução, processo autônomo ou fase de um procedimento unitário, é um dos momentos de maior importância na prestação jurisdicional, pois nele é que efetivará o direito já reconhecido na sentença, principalmente quando a executada é a Fazenda Pública contra a qual não poderia ser instaurada, ou pelo menos ultimada, a execução da obrigação de pagar antes do trânsito em julgado da sentença no processo de conhecimento, em face da ordem dos precatórios estabelecida no art. 100 da Constituição da República. É a execução que vai definir o prestígio da prestação jurisdicional, pois:
Quer para prestigiar-se, quer para desmoralizar-se, é no cumprimento da sentença, na execução da sentença, que a justiça mais se aproxima do povo. É simplesmente uma questão de eficácia ou inoperância. A conclusão a que se chega, diante do conceito que se tem hoje de justiça, é a de uma justiça desacreditada, morosa, emperrada. Em muitos casos, antes de se fazer justiça, leva-se o jurisdicionado à frustração e ao desespero. (Grifo nosso)
Nesse sentido, Leonardo Carneiro da Cunha, acompanhando Tereza Arruda Alvim Wambier, aponta como solução que a multa, tanto a do §4º do art. 461 como a do parágrafo único do art. 14, seja aplicada ao agente público responsável pelo descumprimento.
Flávio Luiz Yarshell traz interessante posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco favorável à possibilidade de o juiz, com fundamento no art. 461, § 5º do CPC, poder determinar a substituição do servidor público que personifica o descumprimento por parte da Fazenda Pública. Embora se concorde com essa posição, ela exige muita prudência e conhecimento razoável do juiz da estrutura da administração para cada ato relativo ao processo.
Desta forma, a multa será aplicada de forma pessoal ao agente público responsável pelo cumprimento da tutela de urgência.
III. Dispositivo
Diante do exposto, no mérito, julgo procedente o pedido, confirmando a antecipação de tutela concedida, para determinar que o Estado do Rio Grande do Norte:
A) implemente a assistência à saúde (médica, odontológica e farmacêutica) aos detentos e internos da Penitenciária Estadual do Seridó, devendo implantar, no referido estabelecimento prisional, uma equipe médica composta por 01 (um) médico clínico-geral, 01 (um) enfermeiro, 01 (um) odontólogo, 01 (um) psicólogo, 01 (um) assistente social, 01 (um) auxiliar de enfermagem e 01 (um) auxiliar de consultório dentário, para atendimento diário e ininterrupto dos presos, conforme a Portaria Interministerial nº 1777/2003;
B) forneça todo o material necessário para o trabalho dos profissionais supracitados com todo o aparato adequado (local e equipamentos) para o atendimento aos detentos dentro do presídio, inclusive o fornecimento de medicamentos;
C) forneça o transporte dos apenados para a realização de outros procedimentos médicos que não possam ser realizados dentro da estrutura da própria penitenciária;
D) garanta o internamento adequado aos detentos, acometidos por transtorno mental e submetidos à medida de segurança, em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico;
As medidas supracitadas deverão ser cumpridas no prazo de 30 (trinta) dias. Em caso de descumprimento, incidirão multa diária pessoal no valor R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Exmo Senhor Secretário Estadual da Justiça e da Cidadania e, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), ao Exmo Senhor Governador do Estado do Rio Grande do Norte, a serem revertidas ao Fundo Estadual de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/85.
Expeça-se Carta Precatória para intimar pessoalmente as autoridades referidas acima do inteiro teor desta sentença e da multa aplicada.
Sem condenação do Estado nas custas em face da isenção prevista na Lei Ordinária Estadual nº 9.278/2009.
Sem condenação em honorários advocatícios por acompanhar a corrente que entende não serem eles devidos quando a ação é proposta pelo Ministério Público, ainda que o pedido seja julgado procedente. (RECURSO ESPECIAL Nº 785.489 - DF (2005/0162964-5).
Oficie-se para conhecimento do inteiro teor desta sentença ao Juízo das Execuções Penais desta Comarca, à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, ao Conselho da Comunidade em Caicó, à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado da República e, ainda, à Direção da Penitenciária Estadual do Seridó.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

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