domingo, 1 de fevereiro de 2009

A estudante da Bienal à luz de Jakobs


Vamos abrir uma seção no blog intitula ESTUDO DE CASOS PENAIS.
O caso para análise está descrito nas 2 seguintes notícias:

NOTÍCIA 1

Após mais de 50 dias presa, a pichadora Caroline Pivetta da Motta, de 24 anos, deixou a Penitenciária Feminina de Sant'Ana, na Zona Norte de São Paulo, por volta de 10h desta sexta-feira (19). Na quinta (18), a Justiça concedeu liberdade para a jovem, flagrada pichando instalações da 28ª Bienal em 26 de outubro. Ela estava com um grupo de 40 pichadores. Caroline saiu da cadeia no carro do advogado, sem falar com a imprensa. Ao deixar a prisão, a estudante riu e acenou para um amigo do lado de fora. No veículo, ela mostrou um papel. Segundo seu amigo, um videomaker que se identificou apenas como Cripta, de 25 anos, na folha estava escrito, em caneta vermelha, o nome do grupo de pichadores "Sustos" ao qual ela pertence. Cripta disse não saber dizer onde Caroline iria morar agora. Antes, segundo ele, ela morava sozinha em um apartamento no Centro de São Paulo.
Antes da libertação da jovem, o advogado Augusto Botelho disse que a prisão de Caroline em regime fechado por tanto tempo é provavelmente uma pena maior do que a condenação que ela possa receber pela pichação - um crime ambiental com pena máxima de um ano de detenção. "A prisão dela por estes 50 dias foi um abuso, uma ilegalidade e uma afronta crucial aos direitos humanos", afirmou o advogado. Uma semana depois de Caroline ter sido presa, uma advogada foi contratada para defendê-la. Mas a defesa perdeu todos os recursos porque não apresentou o documento com os antecedentes criminais da garota nem o comprovante de residência dela. A prisão dividia juristas e revoltou a família da garota. Ela participou - com mais 40 pessoas - de uma pichação em um andar da Bienal, onde não havia obras expostas. Na segunda-feira (15), a Defensoria Pública de São Paulo assumiu o caso e entrou mais uma vez na Justiça. A decisão pela soltura de Caroline foi da 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconsiderou a liminar em habeas corpus. O recurso para libertá-la havia sido negado na quarta-feira (17). O mérito do habeas corpus ainda será julgado. Boletins A Justiça constatou que existem cinco boletins de ocorrência e dois processos contra Caroline por pichação. Para a Associação Paulista de Magistrados a prisão não é abusiva. "Eu vejo a prática da pichação clandestina, ilegal, como uma prática criminosa. Isso é o que está na lei. Se isso vem da lei, o juiz não pode agir diferente", disse Edison Aparecido Brandão, da Associação Paulista de Magistrados. "O juiz tem que aplicar a lei, mas sempre perseguindo a Justiça. Para que ela possa ter outro destino que não a cadeia, que é destino para bandido perigoso e para gente que efetivamente já foi condenada", disse Sergei Cobra Arbex, da Ordem dos Advogados do Brasil.

A estudante Caroline Pivetta da Mota, presa por mais de 50 dias em 2008 após pichar a Bienal de Artes de São Paulo, conseguiu liberdade provisória. A jovem foi presa pela segunda vez na última sexta-feira (23/1) por tentativa de furto de DVDs em uma loja no Itaim Bibi, zona sul de São Paulo.

Segundo o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), o alvará de soltura foi expedido na noite de segunda-feira (26/1). A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) afirmou que o alvará foi cumprido às 12h25 desta terça-feira (27/1).

A jovem estava detida na Penitenciária de Santana, na zona norte de São Paulo, desde sexta-feira. A estudante e duas amigas foram flagradas pelas câmeras da loja e por funcionários colocando os produtos em uma sacola.

No entanto, nenhum objeto foi encontrado com as jovens. Os DVDs que elas tentaram furtar foram encontrados escondidos debaixo de uma prateleira. Na bolsa de Caroline foi achada uma sacola forrada com papel alumínio que, segundo a polícia, serviria de artifício para passar pelo sistema antifurto da loja.

Augusto de Arruda Botelho, advogado da estudante, chegou a afirmar que a prisão foi ilegal e abusiva. “Houve uma nulidade no flagrante. Nenhum objeto foi encontrado com as jovens, o que ficou claro em todos os depoimentos”, afirma Augusto Botelho.

Segundo ele, é irrelevante se as duas amigas que estavam com Caroline pretendiam furtar os DVDs —o que segundo ele não é sequer possível afirmar. “Não houve nenhuma tentativa de furto”, reforça o advogado.
***

Vai aqui o meu estudo.
O Caso Pivetta é útil para um estudo à luz da teoria funcionalista penal de Jakobs.
Pivetta passou certa de 50 dias presas e teve dois HCs negados, depois da prisão por ter pichado as dependências da Bienal de SP. Pois é. Durante esta 1ª prisão da menina, muitos caíram em cima do Judiciário. Culparam até Mendes por mantê-la presa. Olha quem culparam? Finalmente, Pivetta foi solta, para alívio da imprensa. Alívio? Ela saiu da prisão dando gargalhadas... Estranho, não? A sociedade não gostou muito do pouco caso que foi feito da norma penal/processual. Não me importei...
Bem, a vida segue e bimba! Para espanto da sociedade (e não daqueles que estão acostumados com o dia-a-dia judiciário), Pivetta, como aqueles “tipos criminosos” que gostam de notoriedade, foi presa novamente poucos dias depois praticando pequenos furtos. E aí? O debate já não foi o mesmo: não vi muita gente falando em soltá-la, muito embora, aparentemente, pudesse haver motivo para o debate seguir a linha da prisão anterior.
Senti na atmosfera um ar de Günter Jakobs. Vou explicar. Jakobs é um dos teóricos do funcionalismo penal mais destacado. O seu pocisionamento teórico aflora em momentos como o da 2ª prisão de Pivetta, porque o funcionalismo de Jakobs centra a sua visão de Direito Penal com o objetivo de afirmação da norma na sociedade; assim, a pena tem uma função de não apenas intimidar os potenciais autores da conduta ilícita, mas de afirmar a norma penal diante de todos os membros da sociedade.
A prisão para Pivetta e depois a sua saída aos risos foi um desrespeito para o Direito Penal, na ótica do funcionalismo de Jakobs. Este autor não se preocupa em proteger bem jurídicos; interessa a ele afirmar a vigência da norma penal perante a sociedade. Por isso, muitos gostaram da manutenção da 2ª prisão de Pivetta como meio de afirmação da norma. Diriam os jakobianos: sorria agora, Pivetta!
Não precisaria lembrar que a critica que se faz ao funcionalismo é justamente a abertura para um Direito Penal com caráter acentuadamente autoritário. Para a teoria de Jakobs, quando o Direito Penal se preocupa com a função da norma, a divisão entre injusto e culpabildiade não se sustenta; se o sujeito deseja cumprir a norma, é irrelevante que a sua contuda seja típica e antijurídica. Por isso, para os muitos cidadãos que aplaudiram a manutenção da 2ª prisão de Pivetta, não houve uma preocupação com a divisão entre injusto e culpabildiade; isto não interessa a Jakobs e aos funcionalistas extremos, para os quais é irrelevante que a contuda seja típica e antijurídica. A norma penal precisa ser afirmada; Pivetta deveria ficar presa, independentemente da insignificância de seu ato.

LEITURAS INICIAIS SUGERIDAS PARA ACOMPANHAR O ESTUDO DO CASO:

· BENEDETTI, Juliana Cardoso. As Raízes Sociológicas do Funcionalismo Penal: uma aproximação entre Émile Durkheim e Günther Jakobs. “Revista Brasileira de Ciências Criminais”. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 73, jul.-ago./2008
· PEÑARANDA RAMOS, Enrique. Sobre la Influencia del Funcionalismo y la Teoría de Sistemas em las Actuales Concepciones de la Pena y del Delito. In: GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos (ed.). “Teoría de Sistemas y Derecho Penal: fundamentos y possibilidades de aplicación”. Granada, 2005

2 comentários:

Anônimo disse...

Doutor Fábio, mais um brilhante texto, especificamente ao mostrar um paralelo entre as normas penais do ponto de vista Jakobiano e a ética social. Parabéns mais uma vez.
Abraço
Rogério

fabioataide disse...

Valeu Rogério, ontem estive visitando seus blogs e vc é quem está de parabéns. Hei, não me trate de "doutor"; fica muito formal... kkkk
abraços