sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Tropa de Elite ou Esquadrão da Morte?

22 09 2007
O filme “Tropa de Elite” sobre o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar já está sendo largamente comercializado no mercado de cópias piratas, o que só vem a confirmar o sucesso da produção nacional. Ainda não vi o filme, mas a sua temática nos remete a um velho problema: a ação policial arbitrária.
Vale lembra que o chamado “Esquadrão da Morte” está sendo reinventado pelo Estado. Esta organização foi constituída por policiais, em 1964, com o fim de eliminar criminosos considerados perigosos. A experiência revelou que ao longo dos anos a facção passou a trabalhar para o próprio crime organizado (traficantes, bicheiros etc), desviando-se de seu objetivo inicial em direção à prática de homicídios “comerciais”, o que motivou uma ampla investigação do Ministério Público.
Em seu livro intitulado Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte, de 1976, o então Procurador Hélio Bicudo explica que quando à época levou o assunto ao conhecimento do Colégio de Procuradores, com o objetivo de que a instituição tomasse ação para punir os policiais daquela facção, o Governador do Estado assumira, surpreendentemente, atitude ríspida em relação às suas pretensões, dando de certa forma “incentivo” à prática das milícias de justiceiros.
O episódio “Esquadrão da Morte” traz o ensinamento de que policiais que buscam fazer “justiça” com as próprias mãos, não obstante sempre pratiquem injustiças, não tardam para entrar no meio criminoso, dele tirando partido com as vantagens de quem está vestindo uma farda de representação estatal. A tolerância do Estado para com as violações de direitos humanos põe em risco a imagem da polícia, o que se reflete na inconstância do coeficiente de confiança da população.
Ao que parece, a atual conjuntura abre flanco ao surgimento de ambiente análogo àquele dos tempos do esquadrão da morte, favorecendo que milícias de justiceiros recebam novos apoios da população amedrontada. No Ceará, o Procurador de Justiça Marcus Vinícius tem anunciado o surgimento de grupos de justiceiros formados por policiais e ex-policiais mediante o patrocínio de pequenos comerciantes e até grandes empresários. Grupos semelhantes também agem noutros Estados do Nordeste com o apoio da população local, o que dificulta as investigações policiais. Por esta razão, desde 2003 tramita no Congresso uma CPI das milícias privadas no Nordeste, mas até agora não houve votação do relatório final, o que somente reforça o desinteresse do Estado para combater a ação destes bandos urbanos (Cf.: Boletim IBCCrim n. 162/06).
Os direitos humanos são o reduto mínimo dos direitos individuais. Não se justifica a ação criminosa liderada pelo PCC ou por policias, mas, mesmo assim, ainda é preciso que haja uma completa operação mãos limpas em nosso sistema penal, trazendo para o núcleo da questão o compromisso nacional para com a política de direitos humanos. A famosa operação italiana intitulada “mãos limpas” deixou claro que é viável um controle mais efetivo (nunca completo) do Judiciário sobre a administração pública, não podendo aquele Poder submeter suas decisões a critérios políticos ou de opinião pública (cf.: CAMPILONGO. “O Direito na Sociedade Complexa”, 2000, p. 96).
Neste tempo de crise, não podemos entrar na ciranda daqueles que aproveitam os últimos acontecimentos para apoiar a morte indiscriminada de suspeitos, sob qualquer pretexto. Cabe refletir que um dia o suspeito poderá ser qualquer um de nós.

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