sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Punição administrativa e insignificância*

9 03 2008
A sanção administrativa integra o conceito do poder punitivo do Estado e, como tal, não podemos desconsiderar as conquistas do conhecimento jurídico em torno do princípio da insignificância. Em regra, uma sanção administrativa não deve implicar uma resposta mais severa do que aquele que seria admitida no sistema penal, razão pela qual não podemos ignorar que alguns institutos penais, próprios para a filtragem de casos leves, podem ser utilizados no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.
Como se sabe, a Teoria do Crime tem evoluído para que infrações que lesionam minimamente o bem jurídico sejam alcançadas pelo princípio da insignificância. No campo do Direito Administrativo Sancionador, nem sempre se justifica que uma lesão mínima à administração pública seja punida, criando uma nódoa para o servidor, sem que exista proporcional relação com o bem violado.
As penas criminais e as administrativas devem ser tratadas de maneira semelhante, na medida em que se segue uma tendência de considerar as sanções penais e as administrativas como parte do direito sancionador, ramo do Direito ocupado de regular as sanções. Assim, como explica Alexandre Magno Fernandes Moreira, o termo pena, quando referido pelo art. 5° da Constituição Federal de 1988, também deveria significar as sanções administrativas (Limites Constitucionais das Sanções Administrativas. “Revista Jurídica Consulex”. nº 259 de 30/10/2007).
Não podemos ignorar que no dia-a-dia acontecem pequenos transtornos no âmbito do serviço administrativo que, muito embora previsíveis, não podem ser evitados pelos mais diversos motivos, sem que isto implique o reconhecimento de negligência ou justifique a aplicação de uma sanção administrativa.
Ainda que timidamente, o princípio da insignificância vem sendo invocado pelos tribunais também fora do Direito Penal. Por isto, o pleno do Supremo Tribunal Federal já afastou a declaração de deserção do recurso por falta de preparo, quando o seu valor for quantia insignificante (STF, RE 169.349-MG, Rel. Min. Marco Aurélio, 9.6.99, inf. n. 152/99).
Logo, não se deve ignorar o fato de um servidor, que comete uma pequena falta funcional, pode praticar atos que atenuam a violação ao bem jurídico-administrativo, sem haver necessidade de intervenção da autoridade. Pelo menos no âmbito penal, o próprio Supremo Tribunal Federal já sinalizou neste sentido. Em um caso de crime contra a Administração Pública, a 1ª Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de militar denunciado pela suposta prática do crime de peculato (CPM, art. 303), consistente na subtração de fogão da Fazenda Nacional. Na hipótese, a Turma do Pretório Excelso aplicou o princípio da insignificância para determinar o trancamento da ação penal, levando em consideração que o militar denunciado recolheu ao erário público o valor correspondente ao bem subtraído (STF, HC 87478/PA, Rel. Min. Eros Grau, 29.8.2006. inf. n. 438/06).
Noutros casos, a simples existência de um processo disciplinar já pode surtir efeitos educativos sobre o servidor. A aflição causada por um processo administrativo pode revestir-se como um infalível exemplo para o servidor. Deste modo, Francesco Carnelutti (1879–1965) observa que o processo representa um mal, muitas vezes mais drástico do que o mal proporcionado pela pena (“El Problema de la Pena”. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1956, p. 58), devendo ser prestado atenção no fato de que, como explica o jurista, o processo também possui em si um caráter educativo (ibid, p. 59).
Nessa esteira, as normas administrativas não devem ser interpretadas isoladamente, mas fazendo parte de uma realidade, tendo como ponto central a idéia garantista de eqüidade. Nas palavras de Ferrajoli, o juízo de eqüidade consiste na compreensão das características acidentais e particulares do caso individual (“Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal”. Trad. Ana Paulo Zomer et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 127). Neste mesmo norte, Derrida também entende que uma decisão justa pressupõe um julgamento único, fora de tipos pré-moldados (”Força de Lei: o fundamento místico da autoridade”. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 47).
Ou seja, a justiça da decisão de um magistrado não está na aplicação cega de uma lei, que demanda um intervenção exemplar do direito sancionador, mas nos mecanismos utilizados por ele para extrair a verdade a partir das especificidades do caso individual, em função de que a questão da realização da justiça dependerá de sua atenção para reconhecer a insignificância de certos casos.
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*Artigo publicado no Jornal Gazeta do Oeste, 2/3/08, Coluna de Fato e de Direito

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, Fábio. Meu nome é David e resido em Pereira Barreto/SP. Curso Direito na UFMS de Três Lagoas/MS e fiquei muito feliz ao ler seu texto. Ele veio a calhar, apesar da posição do STJ sobre o tema! Isso porque o tema da minha monografia de conclusão do curso de Direito será a aplicabilidade do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa. Talvez o título fique "O princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa". Mas, ao contrário do que eu esperava, o tema é espinhoso; estou tendo dificuldade. Jurisprudencialmente, o debate parace um tanto incipiente. Até onde pesquisei, há posição favorável apenas do TJ do Rio Grande do Sul. Com a posição do STJ, a meu ver,a tendência é que os TJs trilhem a mesma vereda. Mas, ainda assim, pretendo continuar meu trabalho. Por isso, gostaria de saber se vc conhece algum autor que tenha escrito sobre o assunto (ainda não encontrei), se já leu algum artigo ou qualquer texto científico que fale sobre isso. Também, gostaria ee pedir a sua ajuda, no sentido de me enviar qualquer material, sejam artigos, jurisprudência, bibliografia, etc, que se re refiram ao tema, que eventualmente vc possuir. Meu e-mail é daviddsilva@itelefonica.com.br. Muito obrigado!