sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O coletivo seqüestrado: criminalidade e o fim das utopias

Recentemente, uma das Varas da Comarca de Mossoró/RN expediu um ordem (carta precatória) para que fosse intimado uma pessoa na favela do Borel, Rio de Janeiro. Surpreendentemente, o documento foi devolvido sem cumprimento, tendo um oficial de justiça certificado que a favela é local de “altíssima periculosidade, onde ocorrem constantes conflitos armados entre policiais e traficantes de drogas, sendo INACESSÍVEL a serventuários da justiça”.
Esta não é a primeira vez que tomo conhecimento de certidões como esta emanadas pelos oficiais de justiça do Rio de Janeiro. Na verdade, o certificado apenas vem confirmar uma realidade: a de que a sociedade vive em cárcere privado. Para a solução do problema, já deveríamos ter compreendido que o uso maciço do sistema penal não tem sido a medida mais eficaz. Aliás, não mais existem grandes idéias salvadoras para o problema da sociedade seqüestrada, ou seja, o modelo penitenciário estabelecido não é capaz de mudar o homem.
No seio da sociedade pós-moderna, cabe firmar-se a idéia de que mais não é possível estabelecer grandes sistemas para modificar o homem. O Marxismo e tantas outras teorias humanas, como até mesmo o cristianismo, pensaram assim. Tiveram algum sucesso, é verdade, mas não conseguiram atingir o seu intento em escala mundial.
Enquanto Rousseau entendia o homem como o bom (inocente) por natureza, sendo o meio responsável pela sua corrupção, entende Hobbes e o filósofo pré-marxista Pierre-Joseph Proudhon (só para ficar com esses dois) que o homem é naturalmente perverso. “O homem é mau, mau sem desculpa”, diz Proudhon (1). Acredita ele, no entanto, que o homem é “racional e livre, suscetível de educação e de aperfeiçoamento” (p. 359). Como o cristianismo, Proudhon pensa que “o homem é, por sua natureza, pecador, isto é, não essencialmente malfazejo, mas antes mal feito, e seu destino é de recriar perpetuamente em si mesmo seu ideal” (p. 360). Por isso, explica, “os grandes mestres da humanidade, Moisés, Buda, Jesus Cristo, Zoroastro, foram todos apóstolos da expiação, símbolos vivos da penitência” (p. 360). O marxismo e o cristianismo também pensaram assim, sendo este o modelo que ainda vigora com relação ao sistema punitivo.
Hoje, os grandes modelos do pensamento humano deixaram de ser objeto de reflexão da filosofia. Todos os sistemas das “grandes idéias” estão em crise ou falidos. Não há modelo capaz de mudar o homem em processo de massa. Pode dizer-se que o existencialismo foi a última referência filosófica abrangente. Antes dele, o socialismo representou o modelo de pensamento que mais influenciou as políticas públicas no séc. XX, mas está fatalmente ruído como um modelo(-marxista) capaz de mudar as super-estruturas de poder de uma sociedade. De algum modo, o socialismo ainda dá suspiros de vida, mas segue absorvido pelo domínio do regime capitalismo. Com efeito, podemos dizer que o próprio homem decretou o “fim” das utopias. E para que servem as utopias, senão para serem utopias?
Certamente, o problema da violência não depende de grandes especulações teóricas ou gasto de grandes montas de dinheiro com projetos nababescos. A sua causa primeira, pelo menos no caso brasileiro, decorre da falta maciça de políticas educacionais sérias. Esta é uma idéia muito simples, que se mantém válida para qualquer sociedade no planeta. Porém, a escola continua sendo o calcanhar de Aquiles do Brasil. Enquanto não resolvermos este problema, continuaremos reféns…
1. “Sistemas das Contradições Econômica ou Filosofia da Miséria”. T. I, trad. de Antônio Geraldo da Silva, São Paulo: Escala, 2007, p. 345.
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Artigo publicado no Jornal Gazeta do Oeste, Mossoró/RN.

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