sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Juiz precisa ser mesmo é muito “Marshall”, como Sapucaia

25 05 2008
Meu amigo Eugênio escreveu-me dizendo que o STJ rejeitou a denúncia contra ex-presidente do TJ/PB, Desembargador Marcos Antônio Souto Maior, acusado pelo Ministério Público Federal de crime de responsabilidade. Entre imputações de beneficiamento de entidades privadas, o então Presidente teria quebrado a ordem cronológica de apresentação dos precatórios, favorecendo pessoas com as quais supostamente tinha ligação. Os ministros do STJ entenderam que possivelmente o ex-presidente do TJ/PB teria cometido uma irregularidade administrativa, mas não um ilícito penal.
Na Paraíba, Souto Maior ficou maldosamente conhecido como “Solto Maior”. Agora, com o julgamento desta ação, espera-se que ele volte a ser “Souto”.
Considero a Paraíba um dos Estados mais kafikanianos da Federação (e qual não é?). Lá, mulher de valor tem que ser “macho sim senhor”. E, como já disse o legislata Genival Veloso (referindo-se a um dito popular desse Estado), doido na Paraíba só sobrevive se tiver muito juízo e alguns têm tanto que chegam a ocupar altos cargos públicos.
Caro Eugêncio, o mundo (digo, a coisa pública) ainda não está perdida. Lembro aqui a decisão do Des. Antônio Sapucaia do TJAL que afastou dez deputados estaduais de uma única vez, dando efeito a um julgamento realizado pelo juiz Gustavo Souza Lima.
Que decisão histórica… O ano de 2008 conheceu mesmo uma de suas decisões mais emblemáticas para a história judiciária nacional, especialmente por seu significado na proteção dos valores da coisa pública. Por um instante, a sociedade deixou a crise que a assola. A decisão do Des. Antônio Sapucaia foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça.
O Judiciário é assim: vive como uma fera adormecida, presa num cercado de plumas e gravetos (Cícero fez uma analogia neste sentido referindo-se aos imperadores). Às vezes, esta fera parece acordar de seu sono sepulcral e avança contra aqueles que o atormentam. A decisão de Sapucaia teve esse significado.
Quando tomei conhecimento da notícia pela televisão, ouvi de um cidadão comum que o Desembargador que estava dando aquela decisão era muito “macho”, como é comum no Nordeste dizer-se das pessoas notabilizadas por seus atos de bravura.
Não meu amigo: no Brasil, juiz precisa ser mesmo é muito “Marshall”. Sapucaia – o Des. “Marshall” das alagoas – disse que fez o que qualquer um faria. Não, Sapucaia. Qualquer juiz não faria o que o senhor fez. Para nós da sociedade em crise, o que o senhor fez tem um significado equivalente a algumas das decisões do Justice John Marshall (1755—1835).
Digo que Sapucaia é “Marshall” não apenas por causa desta decisão, mas por todas as suas outras decisões pautadas pelo rigor ético, que só têm a confirmar o seu discurso de posse, este sim digno de alguém corajoso. Em seu famoso discurso, Sapucaia prometeu reerguer a Assembléia Judiciária de Alagoas “da estagnação ético-moral em que se encontra”. Disse não temer ser voto vencido, mas o que não quer “é ser vencido pela tibieza; pela covardia; pela conveniência pessoal; ser vendido, ao invés de vencido”.
Ainda no referido discurso, Sapucaia lembra da famosa 1ª Conferência de Desembargadores de 1943, quando dela participaram os desembargadores alagoanoas Herman Byron de Araújo Soares e Augusto de Oliveira Galvão, debatendo ao lado de Nelson Hungria, Edgar Costa, Seabra Fagundes (RN) e outros.
Citando o papel importante de Seabra Fagundes nesta Conferência, veja o post:
15 anos sem Seabra Fagundes
Depois de exaltar o passado do TJAL, Sapucaia lembra alguns males atuais da justiça alagoana, frisando o caráter teratológico de um concurso de Juiz de Direito malconduzido.
Enfim, Sapucaia não somente deve ser lembrado por se tratar do primeiro Desembargador negro de Alagoas ou por ter origem humilde, mas por ter chegado ao Tribunal acordando a fera adormecida.
Pior do que o crime dos desonestos é o silêncio dos inocentes. Sapucaia não calou. Ah, descobri na Wikipedia que a palavra “Sapucaia” é de origem tupi e pode vir da união dos elementos sa, puca e ia (olho-que se abre-cabaça) . Não sem razão, vem de Alagoas a primeira tentativa séria de se abrir a cabaça preta do Legislativo.
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PS: No sítio do TJAL é possível conhecer a biografia de todos os desembargadores, menos a do DES. ANTÔNIO SAPUCAIA DA SILVA e da DESA. ELISABETH CARVALHO NASCIMENTO.
Clique no link abaixo para ler ÍNTEGRA DO DISCURSO (HISTÓRICO!) DA POSSE DO Desembaragdor Antônio Sapucaia da Silva:
“A justiça não é bela quando apenas manuseia um código e o aplica; é bela, chega até a ser grandiosa, quando mergulha nas profundezas e nas razões morais dos fatos que julga”. (Costa Rego)
Senhores Desembargadores,Um gesto de Deus, concretizado pelas mãos do Governador Lamenha Filho, fez-me humilde lavrador na seara do Poder Judiciário, nomeando-me Juiz de Direito precisamente há 32 anos, 6 meses e 18 dias. Excepcionalmente às 9 horas da manhã de 8 de março de 1971, eu tomava posse do cargo perante apenas o desembargador Ernandi Lopes Dorvillé, o secretário Almachio de Oliveira Costa e o jornalista Zito Cabral, aos quais renovo, neste momento, o tributo da minha saudade.
Daqui mesmo do Tribunal, rumei à comarca de Água Branca, e, como se fosse embalado pelo soneto Contraste, do padre Antonio Thomaz, “parti no vigor dos anos”, “célere e ufano”, vendo “esperanças à frente”, embora os “desenganos”, que deveriam ficar para trás, como reza o soneto, esperavam-me mais adiante, num contraste com os sonhos visualizados.
Malgrado esta longa distância, ainda assim deveria achar-se tomando posse em meu lugar o dr. Wilton Moreira da Silva, que era o juiz mais antigo na entrância, e que, arrebatado pela morte há nove meses, permitiu-me esta antecipação. E o Tribunal que não vê em mim o magistrado que idealiza, decerto lamentou a sucessão, como nós outros, já que o companheiro falecido encarnava o perfil desejado, e naturalmente se ajustaria à filosofia de trabalho desta Casa.
Aqui aporto como uma espécie de “genérico” e com a validade praticamente vencida, mas com a certeza de que não causarei efeitos colaterais a nenhum indivíduo nem à sociedade. Chego com mais rugas na alma do que na face: as da alma, fixadas pelos pés da Justiça; as da face, sulcadas pelas mãos do tempo. Mas a dignidade chega inteira, sem mossas, sem fissuras morais.
Cândido Mota Filho, ministro do Supremo Tribunal Federal, dissera que “a compulsória é uma forma administrativa de morrer sem morrer”. Parodiando-o, eu afirmaria que a promoção por merecimento, aqui no Tribunal, é uma forma de merecer sem merecer, porquanto obedece ao principio da consangüinidade, da amizade ou da subserviência.
Por não preencher estes requisitos, fui contemplando com a promoção por antigüidade, um merecimento deferido por Deus, autorizando-me a chegar à fronteira da fatigante jornada. Mas Ele foi mais generoso e compensador, ao conferir-me outra promoção, há pouco mais de 1 ano, sem caráter remuneratório, mas de altíssimo valor sentimental: promoveu-me, por merecimento, à condição de avô, cujo ato está corporalizado na pessoa do meu neto Arthur. Deu-me a conhecer, assim, as duas modalidades de promoção.
Portanto, transponho a soleira deste recinto compromissado exclusivamente com Deus, com a minha consciência e com a lei. Afinal, para aqui abancar-me não precisei bater de porta em porta mendigando um pseudo merecimento, calcado na oração de que é dando que se recebe; não tive necessidade de negociar cargos ou funções que me seriam destinados; não assumi compromissos que pudessem atritar-se com a minha consciência; não selei acordo com instituições públicas ou privadas, capaz de desviar-me da conduta que me tracei; não temerei dossiês que possam partir de quem quer que seja; não terei necessidade de beijar a mão de nenhum dos meus pares; não terei, enfim, de ressarcir gratidão, da mesma forma que não poderei ser apontado como ingrato, à semelhança de colegas que tenho encontrado ao longo da jornada. Sabendo que a ingratidão é a rejeição injusta ao agradecimento; é o sentimento que tenta esmagar o reconhecimento, eu não poderia incorrer nessa covardia de ânimo.
Há um fato, estritamente pessoal, que eu não poderia deixar de referir no inicio desta oração. Jornais locais noticiaram que eu seria o primeiro desembargador negro a ocupar uma vaga neste Tribunal de Justiça. Daí, amigos me telefonaram insinuando que anoticia teria cunho depreciativo. Confesso que não vi a noticia sob esta ótica, e até me senti envaidecido em ter meu nome figurando em colunas importantes.
Ao invés de depreciar-me - se foi esta a intenção - a noticia me engrandeceu, mormente por ser este o ano do centenário do nascimento de Arthur Ramos, um sábio pilarense que durante toda a sua existência empenhou-se contra a discriminação racial, e sempre viu na figura do negro um exemplar da raça humana. Rendo-lhe a minha homenagem, à passagem do seu centenário, que vem merecendo ampla e justa veneração.
De conseguinte, além de agradecer aos jornalistas, diria que a noticia não me causou o menor ressentimento, pelo que venho juntar-me aos arianos desta Casa de fronte erguida e feliz por saber que ao menos em alguma coisa eu aqui sou o primeiro, esperando deparar-me com uma democracia racial.
Nesta hora do remate da minha carreira, não poderia exilar-me da minha infância e nem abstrair algumas lembranças nela enraizadas. A primeira imagem que se me aconchega à memória, está emoldurada na Chã do Pilar, então um burgo de casas desalinhadas e ruas empoeiradas, a retratar o quadro mais significativo da geografia sentimental da minha saudade.
Pelos olhos da memória enxergo o cavalo de cabo de vassouras que me fazia participante das cavalhadas organizadas pelo Lindalvo, que não sei por onde anda; os canudos de taquari que eu e o Expedito transformávamos em instrumento musical; os carros de rolimã a deslizar na ladeira do Deoclécio; o vai-e-vem à venda do Anísio Souza e do Clarêncio, para pequenas compras, impulsionando uma roda de ferro manejada por um arame retorcido; jogos de ximbra e de pinhão, garrafão e avião que eram riscados a carvão no meio da rua ou nas calçadas; balanços armados em frondosas jaqueiras, tudo isto são retalhos da coreografia encenada no tosco teatro da quadra pueril.
As traquinagens próprias da infância não foram presenciadas por minha mãe, que, aos 33 anos, nos deixou parcialmente órfãos - eu e mais sete irmãos, afora dois que faleceram. Viúvo, o pai transportou o coração para um novo abrigo feminino, e o irmão mais velho, José Alfredo Sapucaia, assumiu o papel de pai, e a cunhada, Ester de Oliveira Sapucaia, fez-se mãe, ofertando-me as condições de tutores naturais. Certo é que devo aos dois, principalmente ao irmão, o incentivo para o estudo, os sacrifícios para encaminhar-me na vida, permitindo-me chegar ao porto seguro aonde cheguei. Diante dos dois, que estão em lugar invisível, ajoelho-me simbolicamente, fazendo-lhes uma silenciosa e enternecida prece de agradecimento.
As Escolas Reunidas Municipais Presidente Getúlio Vargas, ali mesmo na Chã do Pilar, depois o Grupo Escolar Oliveira e Silva, na cidade, a exigir um percurso diário de seis quilômetros a pé, usando tamancos que eram fabricados pelo Zé da Ninô, na rua do Capim, compunham outra aquarela nunca desfigurada.
Depois do Grupo Escolar Oliveira e Silva, vieram o Ginásio Nossa Senhora do Pilar, O Liceu Alagoano, a Escola Técnica de Comércio de Alagoas, a Escola Técnica de Comércio D. Jonas Batinga, em Penedo, a Faculdade de Direito de Alagoas, integrando a turma de 1966. Das professoras do curso primário até os mestres da Faculdade de Direito, voto minha profunda gratidão entoada pelas vozes silentes do coração.
O primeiro emprego foi na MESBLA, como auxiliar de escritório, seguindo-se os cargos de fiscal auxiliar de rendas, fiscal de rendas, diretor administrativo da Secretaria do Interior e Governo, chefe de gabinete da Secretaria de Administração e Secretário de Administração, estes últimos no governo Lamenha Filho.
Além das atividades públicas, tornei-me jornalista, tendo sido repórter, redator, cronista parlamentar, copidesque e secretário de redação da GAZETA DE ALAGOAS. Todas estas ocupações me foram muito importantes, porém eu queria ir mais adiante: submeti-me ao concurso de Juiz de Direito em 1967, sendo aprovado e não nomeado, o que me levou a novo concurso, em 1969, redundando na aprovação e nomeação em 1971, como já revelado.
Somerset Maugham proclamara que, na origem de toda vocação, há um exemplo. A tomar como base as suas palavras, acho que a minha vocação de magistrado nasceu-me quando ainda era ginasiano. Certo dia, passava à porta do cartório, em Pilar, e presenciei uma aglomeração de pessoas. Tratava-se de uma audiência envolvendo um jovem de tradicional família denunciado como sedutor de uma desprotegida negrinha que vivia a perambular até altas horas da noite pelas ruas da cidade. O juiz era o Dr. Paulo Vasco de Aragão, magistrado altamente honrado, que se sobressaia pela independência, hombridade e cultura. Algumas vezes vi-o descer a pé a ladeira da Chã do Pilar, rumo ao cartório, cabisbaixo, vagaroso, paletó às costas preso entre o polegar e o indicador. Passava defronte a casa do prefeito, que residia na localidade e chegara a colocar carro à sua disposição para o percurso, o que nunca foi aceito.
Estão rareando juízes desse jaez, mas foi a figura de Paulo Vasco de Aragão que bussolou a minha conduta na judicatura, sabendo embora que não tenho ido além de uma reles imitação.
Afora o exemplo que foi, e uma carinhosa dedicatória em livro que me ofertou, guardo dele a lembrança da visita que me fez durante cerca de duas horas. Estando próximo a vaga por merecimento ao cargo de desembargador, foi me consultar se eu me incomodaria com a publicação de um artigo a meu respeito. Disse-lhe que a lista já tinha sido informalmente escolhida, a futura desembargadora já estava selecionando os seus assessores, e o desaconselhei a gastar tinta e papel com tema tão desvalioso. Foi o nosso último encontro, traduzido agora em um reencontro de lembrança e de saudade.
Seria um desagradecido se não recordasse o dr. Coaracy da Mata Fonseca, juiz de Direito em Pilar, e o então promotor público José Enaldo Torres Baltar, que me fizeram defensor público, sem cargo nem remuneração, proporcionando-me um aprendizado de valor inestimável, com o auxilio do escrivão Amaro Agnelo Lima. Seus ensinamentos se revelaram de intraduzível valia na minha vida de magistrado.
Juiz de Direito por vocação, tenho procurado dentro das minhas limitações exercer a profissão como se fosse um apostolado. Cheguei a minimizar a assistência à família, eliminei quase todo o lazer, sacrifiquei o orçamento e necessidades domésticas devido a aquisição de livros e a participação em seminários e congressos, levando-se em conta que os vencimentos eram parcos.
Dei-me à Justiça de corpo e alma, e vivi momentos de insuportáveis tensões, ameaçado por bandidos comuns e engravatados. As ameaças eram reais, registradas em processos aqui e em Capanema, no Pará, o que foi noticiado pelos jornais locais, do sul do país e até na revista VEJA.
Foram dias de angústias, permeados de insônia, cercado de velas acesas e preces silenciosas. Horas, dias e meses de apreensão, sem que, em momento algum, eu tivesse abdicado dos meus deveres e obrigações funcionais.
De par com tudo isto, uma decepção: em nenhum instante eu contei com o apoio ou a solidariedade do Tribunal de Justiça, que se mostrou insensível, apático, enfraquecido. Naquela fase de tanta aflição, todavia, tive importante apoio moral e material da família, de amigos, do presidente do Sindicato de Jornalistas, Dênis Agra, e, decisivamente, dos coronéis José de Azevedo Amaral e José Estevam do Rego. A hora é bem amoldada para o agradecimento público, que ora faço a todos, com as janelas do coração escancaradas.
Empurrado até aqui já “descrente de tudo, cansado da vida, cansado de mim”, como na canção popular, ainda assim sinto-me em repousante estado de espírito de quem não fugiu ao dever, que há sido comprido e cumprido. Afinal, Deus tem-me agraciado com o vigor da coragem moral, de cuja vitalidade tenho me valido nos momentos mais difíceis da carreira.
Estou certo de que, se Carlos Drummond de Andrade tivesse percorrido as trilhas que percorri na Justiça, ele não teria posto em seu poema No meio do caminho e “na vida das suas retinas fatigadas” apenas uma pedra: teria espalhado na composição poética montes de pedras, que lhe deixariam os pés sangrando.
Senhores Desembargadores,
O tempo, na sua insônia e vigilância infinitas, tem a missão de transformar as pessoas, as coisas, os fatos, criar e destruir conceitos, modificar idéias e ideais, assistindo a tudo impassivelmente, sem que nada lhe escape. Exemplifico: tempos atrás fui indicado para compor temporariamente uma das Câmaras Cíveis deste Tribunal, durante 45 dias, e, posteriormente, fui convocado, durante 5 meses, para fazer parte da Câmara Criminal. Nas duas oportunidades, eu me sentia inibido de dirigir-me a Vossas Excelências chamando-os de colegas, porque, hierarquicamente, não o era, mas não hesitava em chamá-los de amigos. Hoje, vejo as condições invertidas: posso chamar a todos de colegas, contudo, tenho receio de chamá-los de amigos.
A possível ausência de empatia entre a minha pessoa e este Tribunal deve ser a causa desta desconfiança, porém, o tempo, este feiticeiro que ninguém consegue domar, talvez possa modificar o desencontro. Uma coisa é certa: quaisquer que sejam as circunstancias, não pretendo ser uma ovelha tresmelhada, mas também não serei um cordeiro domesticado.
Sei que é impossível me horizontalizar a Vossas Excelências, razão por que humildemente recorrerei a todos nas minhas dúvidas e vontade de acertar, sem que isto implique no ofuscamento da minha independência. Da mesma maneira, não temerei ser voto vencido em qualquer julgamento, desde que esteja convencido do meu entendimento, podendo revogá-lo, se necessário for. O que não quero é ser vencido pela tibieza; pela covardia; pela conveniência pessoal; ser vendido, ao invés de vencido.
Sem embargo de tratar-se de uma fábula muito conhecida, não me furto em repeti-la agora, por servir de equacionamento à minha norma de conduta aqui. Conta-se que estava havendo um incêndio na floresta, quando um elefante observava um passarinho que ia e vinha do rio trazendo água em seu bico. O animal aproximou-se da ave e perguntou: você acha que sozinho vai apagar tamanho incêndio? O passarinho respondeu: estou fazendo a minha parte, e se cada um fizer a sua, ele certamente apagará.
Procurarei aqui ser o passarinho, mesmo me reconhecendo de vôos curtos e rasantes: tentarei fazer a minha parte.
Ao adentrar aqui, senti um gosto de tristeza por não mais encontrar os desembargadores Antonio César de Moura Castro e Alfredo Gaspar de Mendonça. O primeiro, pondo menos emoção e mais técnica em seus votos; o segundo, mais emotivo e recheando os seus votos de sabedoria e de humanismo que amealhara nas Minas Gerais, que tanto idolatrava. Juntos, reuniam invejável cultura jurídica e humanística e encerraram um ciclo neste Tribunal, sem desmerecer os que estão no repouso da aposentadoria, como os desembargadores Antonio Nunes de Araújo, Ayrton Tenório Cavalcante, Eraldo de Castro Vasconcelos, Gerson Omena Bezerra, Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos e Paulo da Rocha Mendes. O que é certo é que recebi dos dois primeiros vital incentivo, sobretudo do des. Moura Castro, que foi aqui o meu grande estimulador e alicerce moral.
Entristeço-me, também, ao constatar que este sodalício que abrigou Augusto de Oliveira Galvão, Herman Byron de Araújo Soares, Manoel Xavier Acioly, Domingos Paes Barreto Cardoso, Meroveu de Oliveira Mendonça, Edgar Valente de Lima, Xisto Gomes de Melo, Carlos de Gusmão, Osório Calheiros Gatto, Zeferino Lavenère Machado, Paulo Vasco de Aragão, Arthur da Silva Jucá, Paulo de Albuquerque e tantos outros que o engrandeceram, seja apenas uma sombra do passado, sombra que tenta iluminar-se apenas pelos reflexos da inteligência do desembargador José Fernando Lima Souza, sem menoscabo dos demais integrantes, entre os quais me incluo humildemente. Malgrado seja ele o nosso primus inter pares, se Maquiavel ressuscitasse e quisesse atualizar a sua obra, especialmente O Príncipe, decerto encontraria nele subsídios valiosos. Do mesmo modo agiria Mathias Ayres, que em 1724 escreveu o clássico Reflexões sobre a vaidade dos homens.
Considerando o elevado número de juízes e juízas modernos, vejo-me instigado a traçar um apressadíssimo perfil deste Templo da Justiça, que foi instalado no dia 1° de julho de 1892.
Lamentavelmente, diluiu-se no horizonte do tempo aquele Tribunal que era altamente respeitado, máxime pelo Supremo Tribunal Federal, valendo recordar que algumas decisões aqui proferidas eram ali destacadas; alguns dos seus componentes se ombreavam às mais elevadas figuras do mundo jurídico nacional.
Mencione-se a 1ª Conferência de Desembargadores, realizado no Rio de Janeiro, em 1943, quando a Justiça de Alagoas esteve representada pelos desembargadores Herman Byron de Araújo Soares e Augusto de Oliveira Galvão, debatendo, no mesmo nível, ao lado de Nelson Hungria, Edgar Costa, Ivair Nogueira Itagiba, José Duarte, Seabra Fagundes e outros luminares do Direito, primordialmente o Direito Penal e o Processual Penal, temas da Conferência. Os seus Anais, publicados em 1944 pela Imprensa Nacional, e o Código de Processo Penal Anotado, de Espínola Filho, nos dão conta da importância do evento e da representatividade dos seus participantes. Direi mais: o desembargador Moura Castro foi relator de um acórdão transcrito na obra L Egalité, do jurista belga Henri Buch, expressando significativa referência ao julgado, o que elevou este Tribunal além das fronteiras do Brasil.
Se esta Corte de Justiça desfrutava de posição invejável, pelas qualidades morais e intelectuais que exibia, alguns desembargadores davam a lume publicações variadas, sobretudo no ramo jurídico, e alguns chegaram a ser convidados para colaborar em conceituadas publicações nacionais, entre eles os citados Moura Castro e Alfredo Gaspar de Mendonça.
Hoje, tristemente a nossa Justiça é mais conhecida lá fora através de um teratológico concurso de Juiz de Direito que realizou, e ultimamente pelo seu nome exposto na imprensa brasileira, em face de liminares concedidas nas comarcas de Porto de Pedras, Paripueira, e no caso das TDAs, dando margem a amplo noticiário no Jornal Nacional e editoriais na Folha de S. Paulo.
Apesar do referido concurso, temos alguns juízes e juízas que honrariam a função em qualquer parte do Brasil. Em contrapartida, as exceções são estarrecedoras.
Na condição de juiz-auxiliar da Corregedoria de Justiça, tive oportunidade de participar de algumas correições, principalmente no interior do Estado. Numa delas, constatou-se que o juiz não sabia distinguir um despacho judicial de um despacho de macumba, e as audiências eram realizadas pelo Promotor de Justiça e pelo escrivão. Parecia lembrar o ano de 1642, quando os juízes eram analfabetos, pois apenas ouviam, já que os atos processuais não eram escritos. A Corregedoria, à frente o desembargador Antônio Nunes de Araújo, sugeriu a sua disponibilidade. Entretanto, o Tribunal implementou uma medida maternal: removeu o juiz para uma comarca melhor e menos distante e depois o aposentou por invalidez, facultando-lhe os vencimentos integrais e a isenção do imposto de renda.
Uma verdade inconteste é que o Tribunal, com o advento do Funjuris, tem-se preocupado com a sua imagem material e os resultados são positivos, sobretudo com a construção de alguns fóruns e a informatização do Poder Judiciário. Mas os sussurros nos corredores do Fórum de Maceió, nas esquinas, restaurantes e barbearias não soam muito bem em relação a algumas realizações, o que tem suscitado o digladiamento verbal entre desembargadores, sem que ninguém fique sabendo quem é quem; sabe-se, apenas, que o juiz Nicolau dos Santos Neto, o famigerado Lalau, fez escola no Brasil e deve ter bons seguidores.
Se o Tribunal de Justiça não se preocupa com a sua imagem ético-moral no presente, pensando na projeção do futuro, também não faz questão de ignorar o seu passado, que é engrandecedor, como declinado anteriormente.
Ao deixar a presidência desta Casa, o des. Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos inaugurou o Memorial da Justiça, uma forma de venerar e perpetuar na lembrança os vultos que fizeram o Judiciário de Alagoas. O seu sucessor, porém, numa atitude iconoclástica, destruiu a realização, sem nenhum protesto ou desagravo dos seus pares tentando obstacular o gesto insano.
No momento, tem-se no prédio da Escola de Magistratura de Alagoas um espaço destinado ao memorial, mas até agora não vai além de um sofá vazio que parece acomodar apenas almas do outro mundo, sem serem vistas e sem nada verem.
Ainda diria, sem intenção de crítica azeda, mas até mesmo com o sentimento de autocrítica, já que faço parte do colegiado, que a Casa não vem dando a devida atenção ao princípio da isonomia, tocante ao pagamento de vencimentos dos magistrados. Havendo a obrigatoriedade legal de uma diferença de 10% de entrância para entrância, isto não vem sendo obedecido, tratando-se da remuneração decorrente da Lei n° 5.652, de 24-12-1994.
O Tribunal efetua o pagamento ao seu talante, depositando quantias ínfimas na conta dos juízes, enquanto lançam valores elevados a prol dos desembargadores, o que já foi noticiado pela imprensa. Em síntese, serve um “gogozinho” àqueles de 1º grau e se locupletam de fartas refeições. Sabe-se até que há desembargadores e juízes que receberam integralmente a diferença, o que não deixa de caracterizar, em tese, improbidade administrativa, passível de ação. Devo dizer, de logo, que não concordo com o expediente, o que não me impede de, individualmente, tentar corrigir judicialmente a injustiça sofrida.A mesma incúria se dá com relação ao princípio da publicidade, previsto no art. 37, da Constituição Federal. Vezes sem conta magistrados viajam à expensa do Tribunal, sem que uma linha sequer seja publicada no Diário Oficial.
Estes fatos, isolados ou cumulativamente, traduzem-se em antinomia intolerável, já que praticados por um órgão que cuida fundamentalmente da aplicação da lei.
É preciso entender que as decisões judiciais são públicas e, como tais, forçosamente ganham o destino das ruas. E as ruas têm alma, olhos, ouvidos e bocas de onde saem vozes incontroladas. Nada do que aqui se passa permanece hermeticamente entre as paredes; há sempre um postigo ou uma brecha invisível deixando escapulir os fatos, mesmo os interna corporis.
Embora de raspão, não poderia esquecer o nosso Código de Organização Judiciária, que, como está, é mais de desorganização do que de organização. Não temos um critério objetivo de promoção de juízes, e com relação às remoções, o que existe nem sempre é respeitado.
Doutra parte, não dispomos de um plano de cargos e salários dos funcionários e nem dos serventuários, o que enseja a nomeação de funcionários sem conhecerem as suas atribuições, e permite a existência, por exemplo, do cargo de diretor de diretoria.
Uma licença médica requerida por magistrado, já acompanhada do competente atestado ou laudo médico, percorre quilômetros de burocracia rumo ao plenário do Tribunal para ser deferida, quando a própria presidência deveria despachar o pedido de plano, salvo nos casos em que houvesse necessidade de junta médica ou em que se tratasse de atestado ou laudo duvidoso. No particular, ainda estamos no tempo de DSP (Departamento do Serviço Público), órgão estadual extinto há muitos anos.
Seria imperdoável não tecer breves considerações sobre o magistrado, seus direitos, deveres e responsabilidades, considerando a existência de grande número de juízes poucos calejados na profissão.
Sabemos todos que o Poder Judiciário exerce subjetivamente indiscutível função política. E o faz no instante em que dispõe de poderes para apreciar e decidir sobre qualquer lesão ou ameaça de direito, originária, inclusive, dos Poderes Executivo e Legislativo; na oportunidade em que declara a inconstitucionalidade da lei; no momento em que invalida ou convalida a punição imposta ao servidor público; na ocasião em que procura salvaguardar lesão de ordem pública de repercussão insuportável pelo erário, dentre outras condições.
Contudo, não se pode confundir a função política, tomada no sentido helênico da palavra, com a política partidária, que é praticada em todos os recantos do país por qualquer cidadão ou cidadã no gozo da cidadania. Nesta, não deve o magistrado envolver-se, direta nem indiretamente, embaraçando os seus deveres e degradando a majestade do cargo que ocupa, por ser defeso fazê-lo.
Kant define: “A política é a mais bela das artes, quando não é a mais baixa das profissões”. E Guizot adverte: “Quando a política penetra no recinto dos tribunais a justiça se retira por alguma porta”.
Se a função do magistrado é incompatível com o exercício da política, aquele que se desvia dessa norma deveria merecer a reprimenda devida, ao invés de se olhado apenas de viés, como vem acontecem em alguns compartimentos do Judiciário. Um Judiciário que não respeita as suas diretrizes, não pode merecer o respeito da sociedade, nem o respeito de ninguém.
Chego a esta Assembléia Judiciária de Alagoas imbuído da esperança de que cedo ou tarde possa vê-la reerguer-se da estagnação ético-moral em que se encontra, antes que seja tarde demais.
Todos temos presenciado o que o MST (Movimento dos Sem Terra) vem pondo em prática, assistido, quando não estimulado, por autoridades constituídas. É preciso nos precaver contra um possível MSJ (Movimento dos Sem Justiça) que a qualquer momento poderá se arregimentar e, acicatado por uma real fome de justiça, não virá armado de foices, enxadas e facões: virá com instrumentos de grosso e sofisticado calibre, porque será um movimento social politizado. É preciso que a Magistratura alagoana não se una apenas em torno de aumento vencimentais: una-se em prol da grandeza moral da Justiça como um todo; veja os predicamentos que nos são outorgados por lei como uma dádiva, não como um corporativismo exacerbado; exerçam a judicatura como um sacerdócio, ao invés de considerá-la um emprego.
Nalguns recantos do Brasil, há magistrados que alienam sentenças e hipotecam despachos, e até se aglutinam em inusitada sociedade anônima, na certeza de contar com o aval da impunidade. Confundem judicatura com mercancia, e terminam por conduzir a Justiça a um estado de quase-falência, sob as vistas grossas do órgão superior, que se mostra omisso. E a omissão, senhores desembargadores, é a deliberada ausência do dever, por conveniência, temor de quem pratica ou fraqueza moral de quem consente ou lhe dá causa. Qualquer que seja o motivo determinante, há, nessa forma de inércia, uma atitude condenável, sobretudo se parte de um Tribunal de Justiça, seja ele de onde for.
Dispomos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e do Código de Organização Judiciária de Alagoas onde estão prescritos os direitos e deveres do magistrado. O inciso VIII, do art. 35, da LOMAN, por exemplo, determina que o magistrado deve manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
Na prática, temos observado que o dispositivo vem sendo quase abandonado, quando o certo seria até mesmo a inexistência dele, pois, cada magistrado deveria ser corregedor de si próprio, desobrigando a Corregedoria da instauração de sindicância e procedimentos assemelhados, que quase sempre terminam na placidez dos arquivos, sem punição, gastando-se tempo e papel.Por isto, a deontologia da Magistratura deveria ser teoria e prática obrigatórias aos que abraçam a carreira, dando-lhe a mesma importância que a igreja Católica dispensa ao Pai Nosso, fazendo dela, por assim dizer, a oração nossa de cada dia.
O juiz deve ser o espelho da sociedade a que está jurisdicionalmente integrado. Se a sua conduta pessoal e profissional revela-se atrofiada, forçosamente este comportamento vai projetar-se no meio em que vive e atua, enfraquecendo-lhe o conceito e, por extensão, tornando vulnerável o Poder Judiciário.
O julgador pode ser visto como anjo ou demônio; justo ou injusto; parcial ou imparcial; corrupto ou incorruptível, a depender da ótica do réu ou da vítima, do demandante ou do demandado, sem deixar-se ao largo seu procedimento, que é o tradutor fiel da balança.
No contexto do seu ofício, o magistrado desempenha subliminarmente a missão de sacerdote, de médico, de sociólogo, de político, de policial, além de ser arquiteto de esperanças e escafandrista de almas. Mas pode, também, ser um marginal vestido de toga, considerando-se o conceito que ele edifica em torno de si. Vejo, assim, como da mais alta importância a inclusão da cadeira de psicologia judiciária no currículo das Faculdades de Direito.
Através de decisões judiciais, muitas vezes enxugamos lágrimas incontidas e aplacamos dores emocionais; transmudamos alegria em tristeza e vice-versa; restabelecemos patrimônios desperdiçados e recompomos sociedades conjugais esfaceladas, assim como as dissolvemos no interesse das partes. Há ocasiões, entretanto, em que temos que enxugar as nossas próprias lágrimas, que, se não nos chegam aos olhos, marejam os nossos corações e gotejam as nossas almas. É assim a espinhosa missão de julgar, que é um exercício de consciência, inspirado nos desígnios de Deus e alicerçado nos fundamentos da lei. Encerra, por assim dizer, uma harmonia de forças divinas e humanas.
Eu diria que o juiz é uma espécie de artesão que, dosando inteligência, caráter e norma legal, manipula o produto que, em forma de sentença ou decisão, vai refletir no equilíbrio da sociedade. Se qualquer destes ingredientes não for usado na medida correta, fatalmente gerará efeitos desastrosos no organismo social.
Evidentemente, magistrados não podem ser santos, pois, se assim fossem, julgariam através de milagres e, obviamente, a parte que rezasse mais ou tivesse mais fé, fatalmente terminaria vitoriosa. Em contrapartida, não deve estreitar amizade com o diabo, sob pena de terminar nos abismos do inferno profissional. O magistrado tem que ser corajoso, justo, honesto e imparcial, sem necessidade de acender uma vela a Deus e outra ao diabo. Mas se tiver que acender uma vela, faça-o para livrar-se do satanás que, com suas estripulias e fetichismo pode comprometer uma vida honrada, fazendo ofertas atraentes e ilusórias.
Não é demais lembrar que as decisões do magistrado têm vida curta e fatalmente terminam adormecidas nos arquivos; mas a dignidade de quem as profere permanece acordada na memória dos jurisdicionados. Bustos e nomes nos frontispícios dos foros podem significar mais egotismo do que merecimento; mais vaidade pessoal do que retrato moral do preito autoconcedido. Elucide-se que o busto de bronze é apenas um retrato plástico que, convertido em homenagem, não tem o condão de engrandecer quem não soube engrandecer-se e, dependendo do homenageado, pode até ser depreciativo, ao invés de enaltecedor.
Recordaria, também, e por oportuno, que o marechal Deodoro da Fonseca, em conversa com Rui Barbosa, dissera: “Nunca toquei num real que não fosse rigorosamente meu. Quem gosta de dinheiro não vai ser soldado, juiz nem padre”. Que estas palavras do bravo e honrado alagoano, que tem merecidamente uma estátua defronte o Tribunal, encontrem ressonância junto aos magistrados alagoanos de hoje e de amanhã.
Não poderia deixar de me reportar, mesmo superficialmente, à reforma do Judiciário, que está no Congresso Nacional há mais de 10 anos, sacolejando nas mãos dos parlamentares como se fosse um produto exposto em feira livre.
De começo, diria que a dita reforma deveria dedicar especial atenção ao preparo ético, jurídico e humano dos que desejam ingressar na Magistratura. Para submeter-se ao concurso de provas e títulos, que deveria ser supervisionado por representante do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Federal da região, deveria sujeitar-se, também, a exame psiquiátrico e de cleptomania, evitando-se desequilíbrio nos julgamentos e desvios de conduta prejudiciais à Justiça.
A supressão de muitos recursos, que só servem para delongar o feito, favorecendo especialmente aos que dispõem de melhores condições financeiras; critérios objetivos e indesviáveis traçando o merecimento na carreira; a súmula vinculante visando diminuir casos repetidos que só servem para abarrotar os gabinetes dos julgadores, em todas as instâncias, sem que isto importe na lesão à liberdade de raciocinar e decidir, são algumas exigências que defendemos.
Por outro lado, é necessário estabelecer-se um número mínimo de juízes, levando-se em consideração a quantidade de habitantes e o orçamento de cada Estado. Também tenho como impostergável a criação do Conselho Nacional de Justiça, ou qualquer outra denominação que possa ter, contando com a participação da OAB e do Ministério Público, dentre outras representações. Afinal, necessita-se de um desagadouro para as providências que nem sempre encontram respaldo nas Corregedorias de Justiça, como, por exemplo, processos engavetados por juízes e desembargadores, como ocorre aqui mesmo no Tribunal, sem que se saiba qual a medida a adotar-se nem a quem recorrer.
E como o tema é pertinente, vejo de suma importância tentar-se emendar a Constituição Federal, objetivando suprimir a obrigatoriedade do quinto dos lugares destinados aos membros do Ministério Público e da OAB, o que não deixa de ser uma intromissão descabida e prejudicial aos magistrados de 1° grau.
Não é sem razão que essa excrescência nasceu com a Constituição de 1937 (art. 105), uma Constituição de inspiração nazi-fascista que foi imposta por Getúlio Vargas sem ao menos contar com a audiência do Congresso Nacional.
Os que me conhecem de perto, sabem do respeito que voto às duas categorias, porém, todos devem perceber que há um prejuízo em potencial contra todos os magistrados de carreira, que se submetem a um concurso, iniciam a atividade como juiz substituto e sonham encerrá-la como desembargador. Há até os que carregam no bolso a data das aposentadorias dos desembargadores, e outros vão mais além: procuram adivinhar-lhes a data da morte, sempre a augurando.
Sucede que, a certa altura da jornada, comumente já fatigada e repleta de desencantos, aparece o advogado ou o membro do Ministério Público, se for o caso, e passa a ocupar um espaço que deveria ser do magistrado, por direito de conquista e de justiça, matando um sonho ou sepultando antecipadamente uma carreira.Aqui em Alagoas, depois de mais de 60 anos que este Tribunal era composto, também, por um representante da OAB e do Ministério Público, o então presidente da OAB descobriu mais uma vaga para classe. Usando de todos os artifícios possíveis, fez-se candidato de si mesmo, tal como fizera Getúlio Vargas em 1937, que, na expressão de Costa Rego, “fez-se candidato de si mesmo à sucessão de si próprio”. Na hipótese, não houve a sucessão de si próprio, mas como presidente da OAB, lutou desbragadamente para fazer-se beneficiário dela.
Não menos embaraçada foi a escolha do membro do Ministério Público, que nasceu defeituosa e aqui foi contestada, gerando dissentimento na classe e a paraplegia de um processo que, obviamente, não consegue andar. Ninguém pode ignorar o papel do Ministério Público na defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Também não se pode desconhecer a magnitude do advogado, que é um guardião incansável da ordem jurídica a contribuir decisivamente para o equilíbrio social, na medida em que participa de todo o processo em que se decide sobre todo e qualquer direito ameaçado ou lesado, quer seja individual, quer seja coletivo. Mas, julgar é função específica e indivisível do juiz, que se submete a um concurso tendo essa norma como missão primordial e intransferível.
Destaque-se que o Ministério Público já tem um representante natural junto aos Tribunais, que é o procurador-geral de Justiça, atuando em todos os processos que pedem a intervenção do “parquet”.
Subjetivamente, é indisputável que todos os magistrados brasileiros de 1º grau são prejudicados com este descabido enxerto que, a despeito de achar-se inserido na Constituição, é inócuo, incongruente e prejudicial a uma classe que tem uma carreira definida constitucional e infraconstitucionalmente.
Mutatis mutandis, é como se o oficial do Exército esperasse ser promovido ao posto mais elevado e visse o seu lugar ser preenchido por um integrante da Marinha ou da Aeronáutica!
E há, ainda, um componente agravativo: nem sempre os que saem do Ministério Público ou da OAB conseguem cortar o cordão umbilical que os une à carreira de origem, o que termina constituindo uma tormenta moral para o Poder Judiciário.
Senhores desembargadores, minhas senhoras, meus senhores:
Permito-me, nesta oportunidade de tanta significação na minha vida profissional, render uma homenagem à mulher dos magistrados, aquela que na sua domesticidade divide com o marido as aflições geradas pelo cargo; sacrifica instantes de lazer para dar-lhe assistência moral e material; acende velas e, rosário preso entre os dedos, eleva preces a Deus pedindo proteção para o companheiro, que tem a vida ameaçada por haver cumprido o dever.
Quero simbolizar esta mulher na pessoa de Marly, que, em sendo esposa, musicou a minha vida com a melodia do amor, da compreensão e da tolerância, sem ser responsável por nenhuma nota desarmoniosa entre nós. Sou-lhe eternamente grato por tudo que me tem proporcionado, principalmente o Júnior, um filho que completou e consolidou a nossa união.
Dir-lhe-ia, nesta hora de transição da minha trajetória profissional, que vamos continuar repartindo o mesmo pão sem doçuras, como fazemos há 39 anos, pão que advém do trigo plantado na decência do trabalho diuturno, zelosamente separado do joio da indignidade. Dir-lhe-ia, também, que se não tivéssemos conta bancária conjunta, eu a consideraria uma mulher perfeita.
Agradeço a Deus, a nossa Senhora do Pilar, aos oradores que me antecederam aos meus familiares e a todos aqueles que vieram prestigiar esta solenidade, o que vejo mais como uma homenagem à Justiça do que a mim. De modo especial, externo justos agradecimentos a todos os promotores de Justiça e serventuários que comigo trabalharam, desde Água Branca até a 2º vara da Fazenda Municipal, aqui em Maceió, cuja contribuição laboral foi-me bastante significativa.
Ao governador Lamenha Filho e aos desembargadores Moura Castro e Alfredo Gaspar de Mendonça, eu diria, neste momento culminante da minha vida funcional, que tenho regado com minha saudade a gratidão de que se fizeram credores, por imposição da dívida moral que contrai e que jamais será adimplida.
Eu que recebi tanto deles sem nada lhes haver pedido, reservei este instante final para agradecê-los e, simultaneamente, formular uma súplica. Peço aos três, que certamente estão bem pertinho de Deus, que sejam intérpretes desta minha postulação: rogai-lhe que interceda vigilantemente na minha conduta de desembargador, sendo-me guia e inspiração, abastecendo-me de vigorosa força moral na persecução do julgamento justo, humano e imparcial.
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Para saber mais: http://www.observatorioalagoano.com/edicoes/segunda/entrevista_sapucaia.htm

Um comentário:

Anônimo disse...

Ele deveria realmete falar mais de seu irmao mais velho, Graças a ele ele é o que é hoje!