sexta-feira, 19 de setembro de 2008

“Chuchu não é laranja”: ainda sobre a liberdade de expressão

19 04 2008
“Só uma tapinha” dói no bolso do Furacão 2000. O juiz Adriano Vitalino dos Santos, da 7ª Vara Cível Federal de Porto Alegre, condenou o Furacão 2000 a pagar R$ 500 mil de indenização a ser revertida para o Fundo Federal em Defesa dos Direitos da Mulher por causa do CD Tapinha, cujo destaque era a música “Um Tapinha Não Dói”* (veja letra no final desta postagem).
O Ministério Público Federal e a organização não-governamental Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero demandaram a ação cível há 7 anos por entenderem que a letra da música incitava a violência masculina contra a mulher. Segundo o juiz que julgou o caso, a “garantia constitucional da livre manifestação do pensamento, bem como da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação não pode representar salvo-conduto para a violação de outros valores constitucionais.” Ou seja, como canta Vanessa da Mata, “chuchu não é laranja”. A liberdade de expressão não autoriza toda e qualquer expressão.
Não li os fundamentos da sentença, mas vou esforçar-me para fazer uma reflexão sobre a tapinha.
A casa é o lugar onde nossa liberdade se exerce de maneira plena: no meu lar sou rei. Mas será que sendo rei em meu lar posso praticar a tapinha? Mais precisamente: posso praticar a ‘tapinha’ com minha companheira? E mais ainda: posso publicar uma música defendendo a prática da tapinha?
A liberdade de expressao não é e não pode ser entendida de forma absoluta. Assim, para compreender os limites desta liberdade, cabe-nos adequá-la ao principio da dignidade humana.
Desse modo, dentro de uma visão democrática, determinadas matériais (racismo, exploração sexual infantil, etc) não estão protegidas pela liberdade de expressão. Isto ficou evidente no caso em que o STF considerou a impossibilidade de se publicar livros contra o povo judeu.
Noutros casos, o interesse público prevalece sobre a intimidade. Por isto mesmo, acertou a Justiça paulista quando negou o pedido do Edir Macedo da Igreja Universal para tirar do YouTube o vídeo em que passa o Bispo ensinando táticas para obtenção do dízimo junto aos fiéis.
Clique aqui para ver o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=My6_faauym8
No atual estágio em que nos encontramos, a tapinha por si só não é constitucionalmente vedada. Na ótica dos modernos principios penais, o ordenamento não criminaliza toda e qualquer forma de agressão.
Por outro lado, a Constituição não define precisamente o que é uma família (art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado). E isto é muito bom. De fato, a constituição protege a família entendida em seu sentido mais abrangente. Ou seja, não apenas a família formada por um homem e mulher, mas a família uniparental ou a família entre pessoas do mesmo sexo.
A tapinha na alcova - como prática de jogos sexuais - até que pode não estar vigiada pelo Código Penal, mas, num contexto familiar (fora da alcova), a tapinha nos remete à violência doméstica, tradição antiguada que o Estado brasileiro luta para torná-la assunto do passado.
Ao que parece, os princípios da dignidade, da solidariedade (em cotejo com o da autonomia privada) restringem a expressão da liberdade por meios de comunicação social. No âmbito estrito de minha vida privada, posso defender ou praticar a tapinha, mas isto desde que não quebre a função básica da família. Até posso praticar a tapinha com minha companheira, mas daí não me venham dizer que tenho o direito de divulgar um CD com tal propósito.
Eu não sou rei fora de meu lar, mas dentro de casa chuchu com laranja pode se misturar.
Termino aqui com um trecho da composição “Quando um homem tem uma mangueira no quintal” de Vanessa Da Mata:
Poder brincar de amarSem pensar no amanhãSem nenhuma vergonhaNuma cara de pauAproveitar um sambaNuma tarde vaziaTer um siricoticoTer uma aventura…
Poder sair do sérioSair de um velho tédioChuchu não é laranjaÉ só não misturar
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*Clique no link abaixo para ir para a Letra da Música “Um Tapinha Não Dói”:

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